Augusto dos Anjos - 021 - Solilóquio de um visionário





Augusto dos Anjos - 021 - Solilóquio de um visionário


Para desvirginar o labirinto

Do velho e metafísico Mistério,

Comi meus olhos crus no cemitério,

Numa antropofagia de faminto!


A digestão desse manjar funéreo

Tornado sangue transformou-me o instinto

De humanas impressões visuais que eu sinto,

Nas divinas visões do íncola etéreo!


Vestido de hidrogênio incandescente,

Vaguei um século, improficuamente,

Pelas monotonias siderais...


Subi talvez às máximas alturas,

Mas, se hoje volto assim, com a alma às escuras,

É necessário que inda eu suba mais!


Augusto dos ANJOS (1884 - 1914) - Eu e Outras Poesias.


Augusto dos Anjos é um dos mais originais poetas brasileiros, e também um dos mais populares. Sua obra consiste, porém, em apenas um livro. Eu foi publicado ainda em vida do autor; outros poemas, publicados em periódicos ou inéditos, foram coligidos após sua morte e acrescentados ao volume organizado pelo autor, renomeado então Eu e Outras Poesias . Aclamada pelo público e pela crítica, sua obra foi repudiada por muitos em sua época, e ainda causa estranheza, pela mistura de vocabulário coloquial e científico, pelos temas exacerbadamente macabros e pessimistas, pelo exagero sistemáticos na linguagem e no tratamento dos temas. Não obstante as controvérsias que cercam sua obra, muitos de seus versos caíram no uso popular, tais como um urubu pousou em minha sorte , a mão que afaga é a mesma que apedreja e outros.




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